domingo, 12 de setembro de 2010

muito perto da Coração Gelado


Trecho de "Perto do coração selvagem", de Clarice Lispector:

— Você gostaria de estar casada — casada de verdade — com ele? — indagou Joana.
Lídia olhara-a rapidamente, procurava saber se havia sarcasmo na pergunta:
— Gostaria.
— Por quê? — surpreendeu-se Joana. Não vê que nada se ganha com isso? Tudo o que há no casamento você já tem — Lídia corou, mas eu não tinha malícia, mulher feia e limpa. — Aposto como você passou toda a vida querendo casar.
Lídia teve um movimento de revolta: era tocada bem na ferida, friamente.
— Sim. Toda mulher... — assentiu.
— Isso vem contra mim. Pois eu não pensava em me casar. O mais engraçado é que ainda tenho a certeza de que não casei... Julgava mais ou menos isso: o casamento é o fim, depois de me casar nada mais poderá me acontecer. Imagine: ter sempre uma pessoa ao lado, não conhecer a solidão. — Meu Deus! — não estar consigo mesma nunca, nunca. E ser uma mulher casada, quer dizer, uma pessoa com destino traçado. Daí em diante é só esperar pela morte. Eu pensava: nem a liberdade de ser infeliz se conservava porque se arrasta consigo outra pessoa. Há alguém que sempre a observa, que a perscruta, que acompanha todos os seus movimentos. E mesmo o cansaço da vida ter certa beleza quando é suportado sozinha e desesperada — eu pensava. Mas a dois, comendo diariamente o mesmo pão sem sal, assistindo à própria derrota na derrota do outro... Isso sem contar com o peso dos hábitos refletidos nos hábitos do outro, o peso do leito comum, da mesa comum, da vida comum, preparando e ameaçando a morte comum. Eu sempre dizia: nunca.
— Por que casou? — indagava Lídia.
— Não sei. Só sei que esse "não sei" não é uma ignorância particular, em relação ao caso, mas o fundo das coisas. — Estou fugindo da questão, daqui a pouco ela me olhará daquele jeito que eu já conheço. — Casei certamente porque quis casar. Porque Otávio quis casar comigo. É isso, é isso: descobri: em lugar de pedir para viver comigo sem casamento, sugeriu-me outra coisa. Aliás daria no mesmo. E eu estava tonta, Otávio é bonito, não é?

Julguei pertinente citar a ressonância.