sexta-feira, 24 de setembro de 2010

é dois em 1!

1

e esse eu que muda?
que diz e depois pergunta
-eu disse?
que se reconhece
no outro
e não reconhece
o próprio rosto
não percebe que de outro pra rosto é questão de u a mais, s a menos
e certa organização...
e a ordem dos fatores altera
o produto, o produtor e a produção
o presente, o passado e o futuro
e futuro não tem p
e é assim mesmo, é sempre incerto
incerto devia ser sinônimo de errado, contrário de certo.
mas nem certo significa sempre certo...
então danou-se!
e digo isso agora
amanhã talvez o futuro tenha p
e aí vai!
vai onde?
__________

2

que medo que dá escrever.
por quê?
porque depois vai se dar com aquilo e vai dizer
fui eu?
quem era esse aí?
e quem vai ser esse aí?
vai voltar a ser aquele que já foi.
e vai dizer
é, fui eu!
e o modo verbal é o futuro no pretérito do presente
eu eranãosoumasvoltareiaser
tu erasnãoésmasvoltarásaser
ele eranãoémasvoltaráaser

domingo, 12 de setembro de 2010

muito perto da Coração Gelado


Trecho de "Perto do coração selvagem", de Clarice Lispector:

— Você gostaria de estar casada — casada de verdade — com ele? — indagou Joana.
Lídia olhara-a rapidamente, procurava saber se havia sarcasmo na pergunta:
— Gostaria.
— Por quê? — surpreendeu-se Joana. Não vê que nada se ganha com isso? Tudo o que há no casamento você já tem — Lídia corou, mas eu não tinha malícia, mulher feia e limpa. — Aposto como você passou toda a vida querendo casar.
Lídia teve um movimento de revolta: era tocada bem na ferida, friamente.
— Sim. Toda mulher... — assentiu.
— Isso vem contra mim. Pois eu não pensava em me casar. O mais engraçado é que ainda tenho a certeza de que não casei... Julgava mais ou menos isso: o casamento é o fim, depois de me casar nada mais poderá me acontecer. Imagine: ter sempre uma pessoa ao lado, não conhecer a solidão. — Meu Deus! — não estar consigo mesma nunca, nunca. E ser uma mulher casada, quer dizer, uma pessoa com destino traçado. Daí em diante é só esperar pela morte. Eu pensava: nem a liberdade de ser infeliz se conservava porque se arrasta consigo outra pessoa. Há alguém que sempre a observa, que a perscruta, que acompanha todos os seus movimentos. E mesmo o cansaço da vida ter certa beleza quando é suportado sozinha e desesperada — eu pensava. Mas a dois, comendo diariamente o mesmo pão sem sal, assistindo à própria derrota na derrota do outro... Isso sem contar com o peso dos hábitos refletidos nos hábitos do outro, o peso do leito comum, da mesa comum, da vida comum, preparando e ameaçando a morte comum. Eu sempre dizia: nunca.
— Por que casou? — indagava Lídia.
— Não sei. Só sei que esse "não sei" não é uma ignorância particular, em relação ao caso, mas o fundo das coisas. — Estou fugindo da questão, daqui a pouco ela me olhará daquele jeito que eu já conheço. — Casei certamente porque quis casar. Porque Otávio quis casar comigo. É isso, é isso: descobri: em lugar de pedir para viver comigo sem casamento, sugeriu-me outra coisa. Aliás daria no mesmo. E eu estava tonta, Otávio é bonito, não é?

Julguei pertinente citar a ressonância.

sábado, 4 de setembro de 2010

Wish upon a star:

Quero aquela gravidade profunda do olhar, que paralisa, arrepia e que diz muito.