quarta-feira, 30 de novembro de 2016

32 dentes

Triste,
saiu chateado do consultório,
vagou pela rua, conversando com o pensamento.
Será que precisa mesmo fazer canal?

Não tô sentindo dor...
Matar um dente é sacrificar uma parte de si.
O canal é a extração da raiz.
A raiz alimenta. Faz o dente pulsar.
Faz o dente sentir tudo.
A língua.
A minha língua.
A língua de Mariana.
Aquele dente não vai mais sentir a língua de Mariana...

Nem tô sentindo tanta dor...
Mas a doutora disse que posso escolher.
É um risco. Se infeccionar ali, pode ser perigoso pra vida de todos os dentes.
E do coração, dos rins, das unhas...
Todos os órgãos do corpo choram pelo dente condenado.

Aguardando o sinal de pedestres, observou-se de dentro pra fora.
As mãos tinham cicatrizes. Marcas de tempos.

Envelheço.

A quantas andam as estatísticas da vida do meu corpo?
Será que meu crescimento vegetativo celular atingiu índices de países desenvolvidos?
Morrem mais células do que nascem? Não sou mais pirâmide?
Tô cansado...

O sinal abriu. Caminhou dois passos.
Não. O sinal não abriu. Foram os olhos que fecharam.
Foi instantâneo. O dente nem sentiu.
Dor.