segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Pulmões

Cada dormir é uma gestação.
E o acordar, nascimento.
E tudo é novo e velho.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

super.ação

Como se fosse possível colocar o peso do mundo num elástico de segurança.
Mas tudo um dia esgarça e a espera só faz assistir ao rompimento.

Antes fosse rompante.
Antes.

terça-feira, 21 de julho de 2015

nós

eu sou muitos
e cada um de nós quer coisas diferentes
falamos alto, ao mesmo tempo
e não nos entendemos
não sabemos dialogar uns com os outros
e por isso não saímos do lugar
se fosse possível, nos separaríamos
mas... enfim... somos eu.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Pausa

Para nada. Só para pausar.

Parar. Por quê? Por espaço.

Vão que cabe no tempo.
Pelo gosto de capturar o silêncio.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

madurando

Observou toda aquela bagunça a sua volta
fechou os olhos.
Foi buscar lá atrás
o cheiro, o som, o gosto
e o aconchego mais primitivo.
Falou de forma tão calma e rítmica,
que o barulho silenciou para ouvir:
"Ouso dizer...
que a revolta libertou menos
Do que a lembrança afetuosa
da ternura da Ama-de-Leite."

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O desafio

 Este era, sem dúvida, o maior desafio que já teve que enfrentar até aquele momento de sua vida. Seu coração pulsava de tal forma que sentia-o na garganta. As mãos suadas e uma sensação de desconforto na boca do estômago. A vista embaçava. Os sentidos todos pareciam desorientados. Sinestesia. Sentia que entraria em choque, caso não resolvesse de uma vez. Sentiu fome, depois teve vontade de vomitar. Faltou ar.
    Era exigido dele que tomasse uma decisão. Se encarasse a questão, nada mais seria como antes. Uma transformação inevitável estava por vir, caso aceitasse o desafio. Não tinha condições de avaliar se aquilo era bom. No íntimo, sentia que se desistisse, um martelo pesado torturaria sua consciência com pancadas de arrependimento durante dias, talvez meses. 
    Andava de lá para cá e de cá para lá. Chutava pedrinhas e o que mais encontrava pela frente. Parava por alguns segundos. Contemplava a movimentação a sua volta. Andava um pouco mais, parava em outra posição. Tentava, de todas as maneiras, olhar sob todas as perspectivas possíveis, calcular as probabilidades, medir os riscos. Em vão. Alguns o observavam com dó, outros com olhar de insignificância e desprezo e um ou outro com ternura. O desespero aumentava quando percebia a mobilização alheia e então tornava a andar de um lado para o outro. 
    Começou a sentir raiva. Muita raiva. Sentiu-se inútil, medroso, incompetente. Em seguida, uma vontade incontrolável de chorar. Os olhos se encheram. Sentiu-se desprotegido, desamparado, sozinho. Engoliu cada gota de lágrima, cerrou os punhos e não deixou que o rosto denunciasse a loucura interna. De repente foi tomado por lembranças. Lembrou da manhã daquele mesmo dia, do seu café com pão e manteiga. Lembrou de três dias atrás, quando viu, da janela da sala, um senhor estacionar o carro em frente a sua casa. Lembrou de pudim de pão. 
    Uma joaninha pousou em seu ombro e o despertou para o presente. Não pensou, nem enxergou e nem sentiu mais nada por quase um minuto. Depois desse tempo, o primeiro contato foi um zumbido no ouvido. Um som parecido com um apito, que aumentava lentamente. Ainda sem pensar em nada, as pernas começaram a se mexer. As pernas andaram e depois correram, cada vez mais rápido. Além de ouvir, voltou a enxergar. Quando deu por si, já estava na beira da piscina, pulando do trampolim de 55 centímetros de altura.  O primeiro pensamento que teve, quando emergiu da água, foi concomitante com sua própria voz, que gritava: "Vem pedrinho, vem, não precisa ter medo, veeeeeem".