domingo, 27 de outubro de 2024

Tira-teimas

Das palavras inventadas, quero o sentido.

Das palavras intraduzíveis, a língua.

Das palavras ditas, pura poesia.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

peito aberto... e tempo

 11/01/2000 estava escrito. Era a data do documento. Um papel. O papel estava amarelado. Aquele amarelado de vários tons, que parece de papel antigo. Nas bordas um amarelo mais forte do que no centro, mais claro. No passado, eu acho, o papel era branco. Quando passei o olho pela primeira vez acreditei ser um documento de… sei lá, mil novecentos e sessenta? Porra, ano dois mil! achei que tinha sido ontem o ano dois mil. Será que eu envelheci mais do que imagino? Sou eu um papel amarelado, acreditando ser ainda novinho “em folha”? Amarelado eu sou desde que nasci, dada a genética. Meio desbotado também, dada a genética. Será que os mais novos olham pra minha pele como eu olho pra esse papel amarelado? Os mais velhos me enxergam como papel novo, disso eu sei. Quando digo “os mais velhos”, me refiro ao meu pai, que tem 80 anos. Quando é que a gente sente a idade que tem? Já foi meia vida embora. Cabelos brancos, manchas na pele e as mãos… nossa, olha essas mãos! Genteee. Estão velhas. Cheias de cicatrizes e nada lisas. Algumas manchas aparecendo também. Eu preciso atualizar minha cabeça. Lá nos fundinhos da consciência, num cantinho quase escondido, fica umas produções de pensamento antigo, tipo uma vitrola engasgada que continua a produzir uns sons velhos que não batem muito com a realidade e a passagem do tempo. Essas produções fazem meu eu acreditar que “ainda dá tempo”, que “as coisas vão caminhar pra algo com mais sentido”, tipo um “quando eu crescer”. Aí vem um papel velho do ano dois mil no meio do caminho pra chocar e contrapor essa esperança. Por sorte, se eu acalmo um pouco, a realidade não é tão ruim assim. E o tempo vivido foi aproveitado, do jeito que deu, mas aproveitado, sim. Ainda tem umas boas folhas em branco pra escrever.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

"ser"

lembrada
nomeada
convidada
qualificada
percebida 
contornada 
tocada

tanto esforço tentando se convencer invisível

"você tem presença",

crença
crença

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Prontuário

Habituada a confiar na autorregulação, como suportar o enigma do corpo quando este se apresenta?

Queixa

"Normalmente não é assim".
Quem pode dizer o que me acontece?

Diagnóstico

Falta de fluidez. Acúmulo. Bloqueio.

Tratamento

Abrir o peito.
E tempo, sempre tempo. 

terça-feira, 13 de agosto de 2024

A cena

Osasco,
3 dias atrás.
Saindo da casa da minha infância,
antes de entrar no carro,
antes de voltar pra minha casa,
olhei pra trás.
Me deparei com essa cena,
tão poética quanto aterrorizante,
do monstro tentando alcançar a lua.
Aquele brutamonte de pedras não existia até ontem.
Não existia na minha infância.
Me lembrando que a infância é ontem.
Bom também...



 

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Estou doando algo que nem sei o que é
Alguém aí quer?
Eu já tentei vender, mas percebi que era muito mais valioso pra mim do que pra qualquer outra pessoa
Inclusive eu, inicialmente, pedi lá em cima
Foi um baque quando não teve interessados
Mas mais impactante foi quando eu abaixei o preço pela quarta vez e nada de ofertas
Essa coisa que tô doando, eu tinha um super apreço por ela
Achava inclusive que as pessoas me estimavam por possuí-la
Só depois que resolvi me desfazer, por querer mais espaço interno, descobri que era um negócio que, além de não mais me satisfazer, ainda tava me estorvando.
Quer saber, eu tô pagando pra alguém ficar com esse troço
Pago o preço que anunciei pela primeira vez.
E ofereço outras coisas juntas, se for pra levar hoje!

quarta-feira, 24 de julho de 2024

As cartas sempre chegam a quem desatinam

A mulher escreve duras palavras que nunca chegam à sua mãe. 
Mas é a filha quem as recebe.
Histórias de repetição e desejo de ruptura.

A mulher descobre palavras da mãe nunca entregues à avó. 
Mas, de algum modo, as palavras servem.
Histórias de cuidado e amor não dito.

A mulher recolhe, empresta, borda, revira e chora palavras de outras. 
Agora as palavras são suas.

A mulher, enfim, improvisa.

segunda-feira, 29 de abril de 2024

pérola movente

Iluminada, se deixa observar (pel)a lunação em curso.

Encontra a luz grave que muda formas 
e revela frestas no alcançar do oculto... 

Enfim, suspira a névoa com ritmo de mar,
silêncio que serve de guia 
para os que escolhem enxergar 
com o fundo do olho.

segunda-feira, 11 de março de 2024

citação direta


ARENDT, Hannah. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2000. 

quinta-feira, 7 de março de 2024

Antes do teto

Primeiro as bases, bem fincadas na terra. 
Não, não, primeira coisa é pensar qual distância entre as bases. 
Mas antes, pensar o que se deseja construir. Vai servir pra abrigar, enfeitar? Vai precisar cobrir?
Antes até, precisa escolher o lugar.
Só que antes precisa intuir o fim, imaginar tudo isso feito.
E muitas outras coisas antes...
Que trabalhão partir do zero.
E quando as bases já estão lá? 
Nem sempre precisa de tanto trabalho. 
Acreditar na resistência das bases, quando encontrar.
Se aproximar da sua história, imaginar um fim... criar a partir delas. Prédio, pergolado?
E pra encontrar as bases?
Os sinais...

segunda-feira, 4 de março de 2024

"algo invisível e encantado"

O sapo quase pergunta se os humanos [tão disruptivos] são capazes de cuidar dos sinais.

Confiantes, eles respondem que sim e fincam o pé na terra distribuindo abraços.

Deve ser por isso que o encontro de quem se quer tanto bem
acontece espelhado em nuvens feitas de arco-íris.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

um de cada vez

A gente dá um passo na vida e acha que correu uma maratona (até pela canseira que é). 
Quando percebe que foi só um passo, não tem como não ser angústia, surpresa, decepção, medo. 
Nessas horas é importante exercitar a humildade (no seu sentido mais forte e bonito) e comemorar o passo. 
Fé no caminhar né Gil?