quinta-feira, 4 de setembro de 2025

: registro de viagem

A fotografia sorrateiramente capta o instante...
Mas pintar exige tempo e a observação chama atenção dos que não costumam ser observados e esquecem de observar.
Será que ela me vê? Será que ela me escolhe?
Que direito ela tem?
Mal sabe que não está no quadro. Gostaria de estar, gostaria de despertar interesse e ser destacado.

Falam demais.
Algumas vezes se sobrepõe, o silêncio insuportável precisa ser preenchido.

Eu estou vendo que não te viram. Mas eu vejo.
Obrigada por me ver. Por antecipar o que é necessário. Obrigada pelo cuidado.

Você não está comendo areia né??
Ele gela pra caramba. O negócio é muito bom, véi.
Nossáaa, ela é das minhas!! Ihiii!
Ele foi criado na rua, então ele entende.
A minha pázinhaaaaa!!!!

domingo, 31 de agosto de 2025

Reverberação

Raiva desse olhar condescendente.
Indignação sem tamanho.

Será que também é medo?

Talvez a dependência do olhar do outro revele a necessidade de testemunho... 
Mas o olhar do outro não é homogêneo, não é simples, não diz de mim, diz dele.

Meu Outro não equivale ao outro.
Quanta consequência dessa conclusão!

Me sinto assim, meio besta, de ter por tanto tempo sustentado algo impossível.
E talvez tenha sido por medo mesmo...

Medo de desaparecer.

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Raiva. 

Muita raiva.

Raiva de tanta coisa e de tanta gente.

Raiva sem direção.

Raiva desse olhar condescendente. 

Raiva desse Outro que não reage, que não revida, que não se abala. 

Raiva do excesso que inventa faltas.


Na busca atropelada para o sentido de tanta raiva, 

dei de cara com o espelho 

me mostrando meus próprios movimentos. 

Ou a falta deles.


Tanta raiva era uma só, no fim.

Quando descobri, passou.


A raiva era do medo.


Do medroso em mim. 


De perceber a malandragem inconsciente 

ao se camuflar o medo de dar um ÚNICO passo,

FIRME,

com a composição ludibriante,

aparentemente corajosa,

que o excesso de movimentos encerra. 


domingo, 8 de junho de 2025

Choro

Não

Aguento

Mais

Usar

Lenços

Emudecidos

segunda-feira, 17 de março de 2025

Tapa

Eu, no meio da floresta, a bordo de um barquinho, imaginava encontrar vários animais diferentes na minha primeira incursão pelo rio Mapuera, rodeado apenas de mata fechada, perto da divisa do Pará com Amazonas e Roraima. Que ingenuidade. O barulho do motor 40 dificultava até nossa conversa dentro do barco. Os bicho tudo sabe da nossa presença muito tempo antes da gente passar pelo trajeto em que eles estão e se afastam ou se escondem muito tempo antes, lógico. Eu é que, acostumado com os barulhos terríveis de motor da cidade, não me liguei que o vício é meu, nosso, de humanos. Inconscientemente, barulho de motor é silêncio pra nós. Só nos incomodamos quando voltamos a atenção pra ele, trazemos pra consciência, ou quando ele nos atrapalha para um ato voluntário. Se parar pra pensar, o barulho de motor é assustador. Como é pra nós o de um bando de bugio.

Na nossa folga optamos por vir pra Alter do Chão, esse lugar encantado e cheio de encantados. O boto rosa já apareceu em duas oportunidades pra mim. Mas é também um lugar cada vez mais afetado pelos sintomas da cidade. Hoje, segunda-feira, acordei cedo e fui pro rio. Peguei um caiaque e atravessei pra ilha do amor. "Ilha do amor". Hum... No fim de semana Alter estava cheio de gente. Pessoas vindas das cidades próximas e de tudo quanto é canto, todas querendo aproveitar o "paraíso". Andando pelas ruas, sentindo o odor de ressaca no ar, chego até a beira do Tapajós. Terra arrasada. Copos plásticos, sacolas, fraldas usadas, todo tipo de coisa na prainha do lado de cá. 

Ontem, como um bicho do mato, ao menor sinal de uma JBL, que mais parece uma bazuca, eu me enfiava no mato, assustado como um Saimiri, tentando ir pra longe daquele barulho de caixa-de-som-motor. Só que nesse caso é meio difícil, porque o ser humano criou um negócio que dá para ouvir a quilômetros. Pois bem, passada a tortura, hoje de manhã, naquela ressaca, compadecido com o rio que vomitava na areia as imundices humanas de ontem, olhei para a ilha do amor. Arranjei um caiaque e lá fui. Não tinha ninguém. E não é que eu quisesse estar longe das pessoas. Só queria um lugar, pelo menos por um tempinho, em que existissem apenas sons naturais. Podia ser de bugio, de gente falando, de passarinho (nunca ouvi tanta língua diferente de passarinho como aqui na Amazônia!), qualquer coisa produzida naturalmente. E estava em paz. O rio calmo como um tapete. Realmente parece que dá pra caminhar por essas águas serenas. É lindo! Deve ser de uma visão dessas que surgiu a história de que alguém caminhou sobre as águas... Não deu nem 10 minutos, chega um barquinho vindo de Alter. Descem 4 jovens trazendo engradados para um restaurante da ilha do amor, com uma bazuca da JBL no talo. Só me resta voltar a remar....

domingo, 27 de outubro de 2024

Tira-teimas

Das palavras inventadas, quero o sentido.

Das palavras intraduzíveis, a língua.

Das palavras ditas, pura poesia.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

peito aberto... e tempo

 11/01/2000 estava escrito. Era a data do documento. Um papel. O papel estava amarelado. Aquele amarelado de vários tons, que parece de papel antigo. Nas bordas um amarelo mais forte do que no centro, mais claro. No passado, eu acho, o papel era branco. Quando passei o olho pela primeira vez acreditei ser um documento de… sei lá, mil novecentos e sessenta? Porra, ano dois mil! achei que tinha sido ontem o ano dois mil. Será que eu envelheci mais do que imagino? Sou eu um papel amarelado, acreditando ser ainda novinho “em folha”? Amarelado eu sou desde que nasci, dada a genética. Meio desbotado também, dada a genética. Será que os mais novos olham pra minha pele como eu olho pra esse papel amarelado? Os mais velhos me enxergam como papel novo, disso eu sei. Quando digo “os mais velhos”, me refiro ao meu pai, que tem 80 anos. Quando é que a gente sente a idade que tem? Já foi meia vida embora. Cabelos brancos, manchas na pele e as mãos… nossa, olha essas mãos! Genteee. Estão velhas. Cheias de cicatrizes e nada lisas. Algumas manchas aparecendo também. Eu preciso atualizar minha cabeça. Lá nos fundinhos da consciência, num cantinho quase escondido, fica umas produções de pensamento antigo, tipo uma vitrola engasgada que continua a produzir uns sons velhos que não batem muito com a realidade e a passagem do tempo. Essas produções fazem meu eu acreditar que “ainda dá tempo”, que “as coisas vão caminhar pra algo com mais sentido”, tipo um “quando eu crescer”. Aí vem um papel velho do ano dois mil no meio do caminho pra chocar e contrapor essa esperança. Por sorte, se eu acalmo um pouco, a realidade não é tão ruim assim. E o tempo vivido foi aproveitado, do jeito que deu, mas aproveitado, sim. Ainda tem umas boas folhas em branco pra escrever.